Câmara Inversa

domingo, janeiro 29, 2006

Os Embaixadores de Glasgow

Não vou vender o peixe de forma desonesta; afinal de contas, quem me conhece bem, sabe que é uma das minhas bandas favoritas. Dito isso, vou deixar o lado fã prevalecer: podem escrever, no final de 2006, o novo cd do Belle and Sebastian, "The Life Pursuit" (sai lá fora no dia 7 de fevereiro e aqui não muito depois pela Trama), vai estar em muitas listas de melhores do ano.

Por que? Bem, calma, vamos chegar lá. Vamos pelo começo. O nome vem de uma série de desenhos francesa sobre as aventuras de um garoto chamado Sebastian e sua cadela Belle. Mas não é uma dupla. O hepteto escocês (foto) surgiu em 1995, quando lançou "Tigermilk", um projeto de final do curso de Music Business da University of Glasgow. Foram apenas 1.000 cópias. Semanas depois, o preço de revenda do disco chegava a 250 pounds! Dj´s de rádios britânicas, em especial John Peel e Mark Radcliffe, responsáveis por lançar grupos como o The Smiths, começaram a tocar as músicas em seus programas. Ao mesmo tempo, a Jeepster, gravadora de pequeno porte começando suas operações, procurava uma banda carro-chefe. Não precisa dizer que foram eles. O resultado imediato foi "If You´re Feeling Sinister". Não conhece? Bem, procura na internet. Ah, não se espante se descobrir o cd em listas dos cinco álbums mais importantes da década de 90. Ele realmente (e normalmente) faz parte dessas listas.


Por que todo o hype? Pra começar, é diferente de tudo o que você já ouviu, ainda que conjugue um número absurdo de influências. Até trilha sonora ("Storytelling") pra cinema já fez; para o filme "Histórias Proibidas", de Todd Solondz. A própria formação clássica da banda, um octeto, já entrega o peculiar som deles: Stuart Murdoch (principal compositor e cantor, guitarra, piano), Stevie Jackson (guitarra, gaita e vocais), Stuart David (baixo e vocais), Isobel Campbell (violoncelo, teclado e vocais), Chris Geddes (teclados e piano), Richard Colburn (bateria), Sarah Martin (violino, teclado, baixo, flauta e vocais) e Mick Cooke (trompete e baixo). Atualmente, a banda não conta mais com a bela Isobel (foto), cuja saída é resultado da turbulenta relação que teve com Murdoch durante anos (digna de comparação com Johnny Cash e June, Sonny e Cher) e com Stuart David, que foi substituído pelo ótimo Bobby Kildea.



Os cd´s da banda são preenchidos, em maior parte, por baladas, com eventuais músicas mais rock. Mas não são baladas comuns. São músicas que em poucos minutos nos presenteiam com dois (maravilhosos) solos de violoncelo e de flauta, por exemplo. Muitos críticos defendem que um dos conceitos musicais que a banda levou adiante foi a criação de um "muro de som", quase como se cada instrumento (principalmente teclados, guitarra e eventualmente violino, violoncelo e trompete) flutuassem na melodia e dialogassem entre si, criando momentos de quase-solo.

Além disso, o approach comercial deles é bastante incomum. Entre os seus álbums, costumam lançar EPs, que são singles com em torno de 4 músicas, porém todas inéditas. E os nomes são os mais criativos possíveis, do tipo "Fold Your Hands, Child, You Walk Like a Peasant" ou "Push Barman to Open Old Wounds" ou "Dear Catastrophe Waitress" ou "The Boy with the Arab Strap". Até mesmo falar em approach comercial é difícil, já que por anos a banda teve a fama de reclusa, por não saber lidar com o sucesso.

Que, atualmente, é consolidado. Stuart Murdoch é considerado o maior poeta da Escócia. Se você ouvia Morissey e achava que era o mais literário que a música em inglês podia ser, bem, pense de novo. Quem mais começaria uma música com as linhas "Sunbeam shone, mousy girl on the end pew" e continuaria com "Wouldn´t you like to get away/Kerouac is beckoning with open arms/and open fields of eucalyptus wesward bound/Wouldn´t you like to get away/Give yourself up to the allure of Catcher in the Rye/The future is swayed with stars and stripes". Ou faria músicas tão sinceras como "Seeing other people" (We lay on the bed there/Kissing just for practice/Could we please be objective/Cause the other boys are queuing up behind us/A hand over my mouth/A hand over the window/Well, if I remain passive/And you just want to cuddle/Then we should be ok/And we won´t get into muddle/Seeing other people/At least/That´s what we say we´re doing).

Enfim, poderia continuar infinitamente sobre as músicas. Murdoch é mestre em criar personagens femininos (Lisa, Jane, Judy e, até mesmo, Anthony, um transexual!) e contar verdadeiros filmes ou livros em 3, 4 minutos de música. Imaginem uma banda em que cada cd tivesse uns 3, 4 "Eduardo e Mônica", porém com mais ironias, numa mistura sempre agridoce, por vezes melancólica, por vezes hilária.



Ah, e tem os covers. A banda sempre os faz ao vivo, sempre de forma inusitada. Dentre os artistas que já foram tocados ao vivo por eles, estão inclusos Beattles, Serge Gainsbourg, Michael Jackson (!), Beach Boys, Thin Lizzy, Françoise Hardy, Velvet Underground, Sly and the Family Stone, The Who (com a banda inteira, com execeção do baterista, nos vocais de "The Kids Are Allright"), Caetano Veloso (com Sarah cantando "Baby" acompanhada pela orquestra e pelo público brasileiro do Free Jazz Festival) e Jorge Ben Jor ("Minha Menina", com Stevie nos vocais e, de novo, o público brasileiro). Sim, eles vieram aqui e se preocuparam em cantar em português. E, sim, mesmo sem tocar em rádios, tem milhares de fãs brasileiros.

Pra não me alongar muito mais (esse certamente é o post mais longo), se você resistiu até aqui, vamos a "The Life Pursuit". O cd leva adiante a guinada dada em 2003, com "Dear Catastrophe Waitress", no sentido de instrumentais mais elaborados, com mais espaço pra solos, e vocais à la Beach Boys (apesar de, principalmente no novo álbum, se aproximarem de Frank Zappa, às vezes). As composições de Murdoch continuam geniais, principalmente em "Act of the Apostle I e II", "White Collar Boy", "Sukie in the Graveyard", a linda "Dress Up in You", "Funny Little Frog" (em que, genialmente, contradiz tudo o que disse antes na música no último verso e dá a tudo uma nova interpretação) e "Another Sunny Day". Há até uma incursão pelo blues, "Mornington Crescent", que acelera para um jazz lá pelo meio e depois desacelera com belíssimos solos de guitarra e piano. Deixando um pouco de lado o estilo pop sessentista que os consagrou, eles investem mais numa mistura anos 70 de rock, funk e baladas.

Pra mim, é o melhor cd deles depois de "The Boy with the Arab Strap", pelo qual ganharam o Brittish Awards de Banda Revelação, derrotando artistas feitos pra aparecer, ganhar dinheiro e sumir do mapa. O tempo provou que esses escoceses vieram pra ficar. Hoje, são referência pra muitas bandas e já foram eleitos a melhor banda da história da Escócia, deixando pra trás Teenage Fanclub, Primal Scream e Franz Ferdinand (que recentemente roubou o espaço deles de banda embaixadora da Escócia no mundo). Todos os cds e EPs deles podem ser facilmente achados no Brasil pela Trama a preços normalmente bem baratos. Abaixo, alguns exemplos de artes de capa:



2 Comments:

Postar um comentário

<< Home