Câmara Inversa

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O Caminho Alternativo

Sexta-feira chega finalmente aos cinemas o grande favorito de público, crítica e prêmios da temporada. Mas peraí! Há algo de errado nessa frase... Desde quando um filme com um romance homossexual como o centro da história tem sucesso com o público? Pois é, acreditem ou não, às vezes tem. É só lembrar casos como o do australiano "Priscila - A Rainha do Deserto" ou um pouco conhecido por aqui, o excelente "Minha Vida em Cor de Rosa". Até chegou a passar pelos cinemas e tem em vídeo, mas não alcançou o mesmo sucesso que teve na Bélgica, onde foi produzido. Contava a história de um menino de 10 anos cujo sonho, compreendido pela avó, era se tornar menina. Uma série de situações cômicas, algumas de humor negro, se sucediam então. O sucesso foi tanto que o ator-mirim que interpretava o garoto do filme se tornou uma espécie de herói local.

Ainda assim, a mudança trazida por "Os Segredos de Brokeback Mountain" é significativa. Muito. Talvez seja esta a primeira vez em que um filme dramático, com temática homossexual, realmente tenha conseguido sucesso diante do público. E, acima de tudo, é um western, gênero que muitos, de tempos em tempos, adoram declarar extinto. É interessante notar que uma das melhores brincadeiras (dissimuladas) com a questão do homossexualismo na história do cinema é justamente em um Western. Trata-se de "Rio Vermelho", de Howard Hawks. A cena em questão mostra os ícones John Wayne e Montgomery Clift comparando o tamanho de suas armas... As que atiram pra matar, claro.


Anos de referências veladas, contudo, não significam necessariamente a preparação de terreno para mudanças. O tratamento de comédia foi, por anos, uma forma de encobrir esse não saber expôr o tema de maneira a não agredir o grande (e, vamos colocar os pingos nos "i"s, preconceituoso) público. O segredo de Brokeback Mountain, com o perdão do trocadilho, é o mesmo que moveu as mais famosas histórias de amor na literatura e no cinema: a impossibilidade de que aconteçam. Trata-se de uma situação de apelo universal, que torna qualquer romance mais encantador. A platéia no cinema em que assisti, por exemplo, era composta em grande maioria por casais heterossexuais e famílias. É verdade que ajuda o fato de que as cenas de beijo são poucas. De sexo, apenas duas.

O filme de Ang Lee é daqueles que conquista aos poucos. Na história, os cowboys Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) passam um mês na montanha Brokeback, trabalhando como pastores de ovelhas. Acabam se apaixonando. Aí reside meu único porém com relação ao filme; o início da paixão é muito súbito, poderia ter sido melhor explorado. Mas daí em diante, o filme só melhora, contando, com uma mão bem ajustada, nem um pouco pesada, a tragédia inevitável de encontro e separação dos dois. O personagem de Gyllenhaal é o único que realmente demonstra algum traço do homossexualismo como foi tornado clichê, ao procurar nos braços de outros homens um conforto (que sabe que nunca vai encontrar) pela ausência do amante. Ainda que os dois se encontrem esporadicamente.

Trata-se de um filme excepcional. Heath Ledger entrega a melhor atuação da sua carreira, num misto de James Dean com Marlon Brando, de deixar qualquer um de queixo no chão. Ang Lee também fez o seu melhor filme até agora. Uma história simples, privilegiada pelo esmero com os detalhes e com a certeza da aposta de que os personagens são as estrelas do filme e, portanto, devem ser muito bem desenvolvidos. Chama muito atenção, também, a espetacular atuação de Michelle Williams na pela da esposa de Ennis (sim, os dois se casam), que sabe que é traída e tenta, por um tempo, fazer com que tudo dê certo, sustentar um triângulo que sabe jamais poder fazer parte.

Ainda que um cineasta de origem taiwanesa, Ang Lee já provou ter uma paixão e um respeito pelo cinema americano ímpares. Demonstra um conhecimento absoluto do gênero Western na forma como escolhe cada ângulo e cada tomada do seu filme. Ajuda o fato de o roteirista (Larry McMurtry) ser o mesmo de "A Última Sessão de Cinema", do diretor Peter Bogdanovich (muito fácil de achar em DVD), uma das maiores obras-primas da história do cinema. E também um western "diferente", sem cavaleiros armados e índios; é um brilhante retrato da decadência de um certo tipo de "american way of life". Assim como o filme de Lee. O final ambíguo de Brokeback Mountain é genial, daqueles que ficam com a gente por um bom tempo.

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Grande Temporada

Sim, é verdade. Há muito tempo não via uma fornada de filmes americanos mainstream tão significativa e tão boa. E principalmente, tão madura e adulta. Além de "Boa Noite, e Boa Sorte", de que já falei aqui, há o "Munique", de Steven Spielberg. Trata-se de, talvez, o melhor filme que Spielberg fez até hoje. Ainda que o ponto-de-vista seja claramente do lado dos israelenses, ele se preocupa em levar a discussão sempre adiante. É engraçado que nos EUA, o país com o maior número de judeus fascistas no mundo, o filme foi acusado de "humanizar" monstros e de tomar o lado palestino. Ainda bem que Spielberg ligou o "foda-se". Platéias têm muito a comemorar.

Só contam contra a trilha sonora excessivamente melodramática em alguns pontos, como Bruno notou, e o fato de as dúvidas sobre a missão israelense de extermínio só surgirem depois de muito tempo de filme. De resto, é um filme muito bem conduzido, com um roteiro primoroso e cenas muito bem elaboradas (e fotografadas), muitas de encher Hitchcock de orgulho. A cena final foi uma das melhores sacadas dos últimos tempos do cinema.

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Pois é, vou ter que retornar de novo ao assunto Arctic Monkeys. É porque os jornais estão começando a divulgar (O Globo, claro, mil anos-luz atrasado, como é de praxe na editoria de cultura) um outro lado do sucesso dessa banda. A forma como foi construído. Foram justamente a pirataria e o boca-a-boca que fizeram deles a banda com o álbum de estréia mais bem sucedido da história. Parece que as gravadoras vão ter muito a estudar com isso... É o que eu sempre digo (e escuto muitos dizerem): compro mesmo o cd se for fora do sério. Senão, só no mp3. Será que podemos estar nos aproximando de um futuro na música em que a qualidade é o que mais importa? Quem sabe... E que esse muleques continuem agitando as bases do rock e da indústria fonográfica!