Câmara Inversa

sábado, maio 13, 2006

Retratos da Alma



"Vi Deus, e ele era uma tenebrosa aranha negra me espreitando no canto do quarto". É mais ou menos essa a frase proferida pela personagem de Harriett Anderson em "Através do Espelho". Ainda que os mais puritanos defendam que ela se aplica melhor às três obras-primas que compõem a trilogia religiosa de Ingmar Bergman (as outras duas - todas lançadas no Brasil em dvd pela "santa" Versátil - são "O Silêncio" e "Luz de Inverno"), ela, de certa forma, define a essência da cinematografia do diretor.

Seus personagens sempre estão em situações limítrofes, em que a sensação de impossibilidade, de inexistência de algo além (salvação, amor, liberdade, Deus, o que quer que seja) encontra nas profundezas da alma humana a sua derrocada. O personagem central de Bergman é, com freqüência, o ser humano que é capaz de encontrar em si próprio os seus fantasmas e, ao mesmo tempo, a partir da relação com os outros, o clímax dos problemas e/ou as suas soluções. Se Deus é uma tenebrosa aranha negra espreitando a jovem esquizofrênica do filme é porque, antes de tudo, ela própria projetou nessa figura seus medos e angústias.


Com o (mais do que) oportuno título de "Bergman - Finitude e Transcendência", começa nessa semana uma mostra sobre o cineasta sueco, sempre no Cine-Arte UFF. Os filmes escolhidos fornecem um panorama abrangente da sua cinematografia, ainda que não representem a obra do diretor da forma mais completa - para isso, títulos fundamentais, como o próprio "Através do Espelho" e outros da sua fase surrealista ("Noites de Circo" e "A Hora do Lobo") não poderiam ficar de fora. Mesmo assim, trata-se de uma oportunidade rara de se ter acesso à obra de um cineasta atualmente esquecido pela crítica e pelo público, um autor inquieto, capaz de criar alguns dos personagens mais humanos e psicologicamente complexos da história do cinema.

Não à toa, alguns dos melhores atores e atrizes que já deram as caras na tela grande (Max von Sydow, Liv Ullman, Harriett Anderson, Gunnar Bjornstrand, Erland Josephson e Bibi Anderson) trabalhavam com ele. De sua cabeça, poderiam sair as histórias mais elaboradas possíveis, como dois dos filmes definitivos da história do cinema sobre a Idade Média - "O Sétimo Selo" (em que um cavaleiro retorna das Cruzadas e, para ganhar tempo de vida, desafia a morte, um ser dotado de imenso poder de aprendizado, para uma partida de xadrez) e "A Fonte da Donzela" (em que um homem hospeda em sua casa os assassinos de sua filha sem saber a identidade deles).


Sempre transitando por gêneros diferentes - como o "western" "O Ovo da Serpente" (a produção definitiva, eu sei, o adjetivo tá repetido demais, sobre a ascenção do nazismo na Alemanha), a comédia "Sorrisos de uma Noite de Verão", os épicos de rito de passagem ("Fanny e Alexander") e conjugal ("Cenas de um Casamento") e os estudos sobre a alma feminina ("Persona" e "Gritos e Sussurros") - Bergman soube, infalivelmente, deixar a sua marca: a do artista que, no mergulho para compreender a alma humana, utiliza o próprio ser humano como oxigênio.


Visualmente, suas representações do que passa no interior do ser humano são impressionantes. Grande parte da culpa é de Gunnar Fischer (o diretor de fotografia dos seus primeiros filmes) e de Sven Nykvist (considerado por muitos - dentre os quais me incluo - o maior diretor de fotografia da história do cinema). Então... Pessoas de Niterói e pessoas de Rio com tempo pra visitar o Araribóia, aproveitem!



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Vazou na internet o novo cd do Sonic Youth, "Rather Ripped". É uma mistura do som antigo da banda (rock pesado e sujo) com o som atual dela (as excelentes viagens mais suaves com guitarras que parecem flutuar independente da base nas músicas). Se isso prejudica?! De forma alguma, é bom pra c*******!!! Ah, e a baixista Kim Gordon, a voz feminina mais sexy do rock, tem presença mais marcante.

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Se perguntar não ofende, então vamos lá: até que ponto a mídia é culpada por essa crise entre o Brasil e a Bolívia? Tá, exclui da resposta os já habituais Veja e amigos, que tem guerra declarada ao presidente. Não sei quanto a vocês, mas a mim soa claramente como a oportunidade pra pintar o Lula como um banana... E falo isso sem julgamento nenhum de valor... Ou não?

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