Câmara Inversa

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Cinema/Literatura

A Sangue Frio
Na próxima sexta-feira, chega aos cinemas o último dos indicados ao Oscar de Melhor Filme desse ano: "Capote". Não se trata de uma cinebiografia, uma vez que a opção de enquadrar apenas um momento da vida do jornalista e escritor americano Truman Capote - aquele que corresponde à confecção do livro "A Sangue Frio" - permite um tratamento diferenciado a um gênero tão maltratado pelo cinema.
O filme de Bennett Miller, em sua estréia no cinema, faz, na verdade, uma outra opção, um recorte ainda maior na biografia do escritor: retratar os dilemas morais, principalmente em sua relação (de amor platônico) com um dos assassinos (Perry Smith). Sim, Capote era bem homossexual. Inclusive, sua postura afetada assusta um pouco nos primeiros minutos de filme. Pelo menos, quando li o livro, não o imaginava assim. Como é impossível falar do filme sem falar no livro, vamos ao primeiro.
"A Sangue Frio", editado no Brasil pela Companhia das Letras e facilmente achado em livrarias e sebos, foi o livro que estabeleceu um novo gênero na literatura: o jornalismo literário. O próprio Capote no filme demonstra ter ciência disso e afirma que inventou um novo gênero: o romance de não-ficção. A obra investiga o assassinato brutal da família Clutter em sua própria casa, numa fazenda, sem nenhum motivo aparente. O crime choca a cidade e Capote, através de entrevistas, recria os personagens que compõem essa família (foto abaixo; as duas mulheres da direita são filhas e já estavam casadas, logo não moravam com a família e escaparam às mortes; o menino e a menina eram um pouco mais velhos quando foram assassinados, tinham, respectivamente, 15 e 16 anos). Mas não apenas isso: o seu relato é extremamente perspicaz e detalhista, sem aspirar, em momento algum, à chatice. Ele acompanha a investigação, a forma como a polícia chegou aos assassinos (cuja história, ele conta paralelamente, como se estivesse presente, também, na fuga deles), as dificuldades emocionais de personagens da cidade, do detetive encarregado.
Enfim, Capote escreveu, pura e simplesmente, uma obra-prima! Um dos livros mais importantes do século XX, sem dúvida. Lembro especialmente de um trecho em que ele faz uma ligação entre o gato vira-lata que mexia nas latas de lixo ao lado da cela dos assassinos e a situação deles. É pura genialidade em forma de literatura. O leitor larga o livro com ainda mais dúvidas do que quando começou a ler (principalmente as que dizem respeito a conceitos morais), tamanha é a profundidade com que trata os personagens; nenhum deles é plano, todos têm seus defeitos, virtudes, traumas...
E o filme seria genial, se conseguisse esse mesmo êxito. Se Miller não se preocupasse tanto em mostrar conflitos de Capote e deixasse o ambiente que o circunda falar um pouco mais, talvez fosse um filme melhor. Não se trata da velha questão de qual arte é superior, o cinema ou a literatura; qualquer uma pode ser superior a outra, tudo depende de quem está por trás. A história de Capote realmente provoca sentimentos diversos e o filme parece preocupado em esconder isso por trás de uma frieza monumental. Além de mostrar assassinos unidimensionais, como se humanizar fosse encobrir o pedaço monstruoso e só mostrar uma pessoa "normal", cheia de sentimentos nobres. Negar espaço à contradição é interditar o personagem de qualquer vínculo com a realidade.
Chega um momento em que nem sabemos mais porque Capote sofre tanto, uma vez que o espectador não foi trazido para a situação. Por outro lado, a produção tem lá seus méritos. A cena do enforcamento é uma reedição perfeita da descrição que Capote faz no livro (à exceção do outro assassino sequer ser mostrado), assim como é interessante a amizade do escritor com a também escritora Harper Lee, que desempenhou um papel fundamental nas entrevistas para o seu livro. Autora de um dos maiores best-sellers da história dos EUA, escrito no mesmo período de "A Sangue Frio", o clássico chamado "To Kill a Mockingbird" foi adaptado para o cinema com o título no Brasil de "O Sol é para Todos" e mostra o julgamento de um negro acusado injustamente de estuprar e matar uma menina branca). De qualquer forma, o resultado final é bem irregular e nem a performance de Phillip Seymour Hoffmann como Capote, por vezes genial, por vezes flertando com o caricato, consegue salvar.
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Os Rolling Stones só causam esse furor todo, ao meu ver, pela insistência (como mais se classifica mais de 40 anos de grupo...). O som deles soa hoje às vezes um pouco datado e as letras não são lá aquela maravilha. Temos que tirar o chapéu, contudo, à importância deles para a música e à impressionante eletricidade de Jagger, que deve dormir em um tanque de formol...
Já o U2 tem, ao meu ver, músicas boas, um ótimo e original guitarrista (The Edge), mas se ouvimos as músicas em sequência enche um pouco o saco... Chega uma hora que começam a parecer as mesmas... E o Bono nem sempre empolga com o seu messianismo e declarações pra platéia de amor ao Brasil.
Na verdade, o que eu quero dizer, nos dois casos, é que falta, antes de tudo, mais originalidade e experimentação~no palco. Não basta ter excelentes produções de luzes e palcos andantes... Ah, sim, sabe a música que abre o show do U2, quando eles pisaram no palco? Pois é, justamente "Wake Up", do "Arcade Fire", uma banda muito original em todos os sentidos que fez o show mais arrepiante que vi na vida.
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A temporada de shows tá só esquentando. Outros nomes que estão confirmados são Echo and the Bunnymen, o aguardadíssimo New Order, o mais que aguardadíssimo The Who (leia-se Daltrey+Townshend, já que o mais genial baixista da história faleceu, assim como o bateirista)... Isso sem falar nas atrações do Tim Festival e do Claro que é Rock.

1 Comments:

  • Meu Deus! Vou viajar para o interior. O cinema de lá deve estar passando "Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei". Isso com otimismo...

    Alguém assistiu "Memórias de uma Gueixa"?

    Fábio, gostei muito do texto!

    Um grande abraço!

    By Blogger Daniel Lopez, at fevereiro 24, 2006 10:53 AM  

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