Câmara Inversa

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Música

The Queen is Dead
É irresistível usar um dos bordões mais batidos, mas, lá vem ele, "agora que Morissey voltou à moda", os 20 anos de idade do álbum dos Smiths acima nominado (sim, é o Alain Delon na capa) se tornam ainda mais expressivos. Os Smiths foram formados em 1982, após o (genial) guitarrista Johnny Marr colecionar sucessivas e frustradas tentativas com outras bandas. Ele encontrou, então, em Stephen Patrick Morissey, o letrista que procurava. Ou não?
É notável a recorrente diferença - que torna o som da banda tão peculiar - entre as guitarras de Marr e as letras de Morissey; o primeiro ousava experimentar acordes por vezes rápidos e pulsantes, por vezes dedilhados e melancólicos; o segundo era extremamente literário em suas composições (só perde, ao meu ver, para o Stuart Murdoch, do Belle and Sebastian, mas disso já falei aqui). Quem mais começa uma música com as linhas "the boy with the thorn in his side/behind the hatred there lies/ a murderous desire for love".
Morissey e os Smiths, olhando hoje, são uma das cinco bandas mais importantes dos anos 80, principalmente pela forma como se apropriaram de elementos do pós-punk e da disco (de uma forma diferente, contudo, de bandas como Joy Division/New Order, tendo sido influenciados por ela) e criaram uma identidade única, que influencia, ainda hoje, para o bem ou para o mal, bandas e bandas mundo afora (só pra citar algumas, Bloc Party, o próprio Belle and Sebastian, Radiohead, The Killers, além de praticamente TODO movimento de rock brasileiro). Johnny Marr foge ao arquétipo de guitar hero ao investir na criação de riffs, ao invés de solos homéricos; seu comprometimento formal era com a criação de músicas pop de qualidade, um trabalho cujos sucessos de público, crítica e influência musical apenas endossam.
Além disso tudo, a banda ainda juntou sob suas asas uma geração inteira de adolescentes e jovens órfãos de uma música que os representasse. Nesse sentido, Morissey era absolutamente genial na captação de uma certa atmosfera de sentimentos e comportamentos. Que declaração de amor na música pop soa mais exagerada, adolescente e comoventemente autêntica e carnal do que "and if a double-decker bus/ crashes into us/ to die by your side/ is such a heavenly way to die/ and if a ten-ton truck/ kills the both of us/ to die by your side/ well the pleasure-the privilege is mine" (There is a Light that Never Goes Out)?
Ou que outras linhas conseguem captar os sentimentos de toda uma geração de jovens como "sad veiled bride, please be happy/ handsome groom, giver her room/ loud, loutish lover, treat her kindly/(...)if you´re so funny, then why are you on your own tonight?/ and if you´re so clever, than why are on your own tonight" e, ao final da música (I Know It´s Over), o manifesto "It´s so easy to love/It´s so easy to hate/It takes strengh to be gentle and kind/ Over and over"? Com linhas como essas, Morissey ecoou toda uma geração que não encontrava no rock brucutu (impossível não fazer uma associação mental direta a nomes como Mettallica) o seu lugar.
E não param por aí. Suas letras tocavam em assuntos tabus ainda hoje, como abuso infantil ("Reel Around the Fountain", "Suffer Little Children") e o homossexualismo ("Hand in Glove"), além de uma variada gama de outros, como a fofoca (na divertida e dançante "Bigmouth Strikes Again"). Isso sem contar os subversivos títulos de música, como "Vicar in a Tutu" (algo como Vigário em um tutu - o vestido de balé), "Some Girls Are Bigger Than Others" e o próprio nome do álbum acima, "The Queen is Dead", talvez o mais importante da história da banda.
Além de tudo isso, todo um estilo de vestir e de se comportar, em tudo que isso pode trazer de positivo e negativo, foi criado a partir da banda, num fenômeno só comparado aos Beattles. A banda acabou em 1989, quando Johnny Marr disse que abandonaria seus companheiros. Morissey saiu logo em seguida. Dizem as más línguas que foi por causa do amor platônico de Morissey por Marr. Sim, quando se ficou sabendo que o líder dos Smiths, que derretia garotas ao dançar agarrado a flores nos shows, era gay, foi um choque. Fizeram até filme sobre isso.
Motivos à parte, o que interessa é que a banda continua viva. Seja nas rádios, nos sons dos fãs, nos discos do próprio Morissey (que ano passado gravou um cd com Nancy Sinatra e neste ano finaliza um com um coro de garotos italianos). E, principalmente, nas discotecas. Porque, acima de tudo, poucas coisas são tão boas de dançar quanto certas músicas dos Smiths.