Câmara Inversa

sábado, dezembro 09, 2006

Pensamento

Pão, circo, etimologia e afins...


O Coliseu - Roma

Na Roma antiga, os imperadores costumavam jogar os cristãos aos leões para divertir o povo. Fazia parte da política panis et circenses (pão e circo) que consistia em dar pão e diversão à plebe miserável, a fim de acalmar os possíveis instintos de revolta.

Nessa dinâmica de manipulação e controle da massa, característica da demagogia (do grego demos “povo” + agogos “líder, aquele que conduz”), a etimologia nos permite algumas conclusões interessantes. As classes dominantes são geralmente associadas aos termos aristocracia e oligarquia. A etimologia da palavra “aristocracia” nos dá algumas dicas sobre o que realmente constituía este grupo na antiga Grécia. A palavra se origina da união do termo aristos (“os melhores”, são os possuidores de arete – “virtude, excelência”) com o termo kratos (“domínio, poder”). O termo aristos, porém, tem sua origem no proto-indo-europeu ar-isto, superlativo de ar, que significa “melhor adaptável” ou “combinar junto” (relacionado à palavra “aresta”). Todavia, em nossa opinião, a aristocracia, era na verdade, a kakistocracia (“os piores no poder”, do grego kakistos "o pior", superlativo de kakos "ruim", termo que é geralmente relacionado à palavra do Indo Europeu para "defecar").

O termo oligarquia é fruto de união dos termos gregos oligoi (poucos) com arkhein “reger, domínio, poder”. Significa, portanto, “poucos no poder” ou “poder dos poucos”. Porém, se misturarmos aristo-cracia com olig-arquia chega-se a uma palavra interessante: oligocracía, cujo significado continua sendo algo como “poucos no poder”. Todavia, esta palavra é muito parecida com a expressão grega ολιγο κρασί (oligo crassí, "um pouco de vinho"). Desdobrando o significado, poderíamos dizer que os “poucos no poder” devem oferecer “um pouco de vinho” para acalmar o povo, na mesma dinâmica do panis et circenses. Desde a antiguidade associada às festas, inclusive aos bacanais (as festas de Baco, o deus do vinho), esta bebida seria a expressão do circo na política de dominação social romana. Inclusive, a versão grega de Baco é Dionísio, palavra também associada a outro termo grego que se relaciona ao vinho. Segundo alguns, a palavra Dionísio é uma variante do grego oinos, palavra que deu origem ao termo “enólogo”, profissional responsável pela produção e por todos os aspectos relacionados com o produto final do vinho.

Todavia, o termo grego para vinho, κρασί (crassí) é muito semelhante à palavra russa para “vermelho”, красный (crasni), o que nos remete a outra analogia comumente relacionada ao vinho: o sangue. Além da comparação cristã do vinho com o sangue de Cristo, o vermelho é o que caracteriza o homem desde os tempos antigos. No relato Bíblico do Gênesis, o primeiro homem criado por Deus ganhou um nome muito curioso. Enquanto a palavra “Adão” pode significar “homem”, o termo hebraico adam é muito semelhante à palavra “vermelho” na língua hebraica, adom. Isto porque Adão foi feito do “pó da terra” e, em hebraico, terra é adama. Tanto o homem quanto a terra são identificados pela cor vermelha.

Portanto, não só o vinho se relaciona ao homem devido à cor do sangue, mas a própria cor avermelhada da terra foi identificada com o homem. Isto porque até mesmo a terra está relacionada com o sangue. Na verdade, o que dá o tom a vermelhado ao sangue é o ferro. Em sua função primordial de transportar o oxigênio para todo o corpo, é o ferro situado no interior das hemácias (literalmente, “células do sangue”, também chamadas pelo termo de mesmo significado, eritrócitos) que consegue sugar o O2 e transportá-lo. Assim também a terra tem sua cor vermelha devido ao ferro e aos outros metais nela presentes. Daí a denominação, na coluna 2ª da tabela periódica, de metais “alcalinos terrosos”. Assim, terra e sangue são unidos pela cor vermelha do ferro.

Voltando à relação entre a “oligocracia” com a política do panis et circenses, não só o vinho funciona como o “circo” mas o sangue às vezes se faz presente, pois nem sempre o povo é tão passivo e dócil quanto se espera.