Câmara Inversa

domingo, fevereiro 26, 2006

Cinema

Considerações sobre o Careca


Não sou uma pessoa de ligar para o Oscar como premiação; nos últimos anos, a tendência em premiar o que havia de mais convencional no cinema afastou qualquer verdadeiro amante do cinema. Preciso listar? Ok, um refresco de memória:

2002 - Uma Mente Brilhante - Qualquer um que rever hoje, percebe o quanto é medíocre. E Ron Howard, diretor medíocre por natureza, levou o prêmio de ninguém menos do que David Lynch, Robert Altman e Peter Jackson, no primeiro e melhor episódio da saga do anel. Se a história era matemático com problema, a dica da vez era assistir à magistral peça "A Prova", com a excelente Andréa Beltrão.

2003 - Chicago - Qual é a importância desse musical para o cinema e a nossa vida, de novo? Ah, tá... E nesse ano tinha o excelente "As Horas"...

2004 - O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei - Tudo bem, esse o Peter Jackson merecia, apesar de o seu concorrente, "Sobre Meninos e Lobos", ser o melhor filme que Clint Eastwood já dirigiu. E isso não é pouco...

2005 - Menina de Ouro - Merecido, até porque, dos que concorriam, era mole o melhor.

Se retorcedermos ainda mais, podemos de lembrar de anos como 2000, em que nenhum dos indicados (Gladiador, o vencedor, O Tigre e o Dragão, Chocolate, Erin Brockovich e Traffic), talvez só com exceção deste último, possui uma ressonância tão forte hoje quanto um pequeno e magistral filme esquecido, chamado "Billy Elliot", um tratado sobre os (tão atuais) anos de ferro de Margaret Thatcher na Inglaterra.

Este ano, contudo, eu ligo. E muito. A principal razão está não apenas na qualidade da maioria dos indicados, apesar de ela contar muito: "Brokeback Mountain" é o melhor (sim!) filme de Ang Lee até hoje e um retrato de uma geração inteira centrado em dois indivíduos e as paisagens de um país em mudança ao seu redor (um filme ultra subversivo para os padrões de hoje, em que a renúncia a um amor sequer constitui uma opção) - algo que um dos roteiristas já fizera no magistral "A Última Sessão de Cinema"; "Boa Noite, e Boa Sorte" é, espero, a primeira obra-prima de George Clooney, um filme impecável em todas as suas escolhas; "Munique" é o melhor filme que Spielberg já fez e segue uma estrutura incomum aos filmes hollywoodianos de hoje, muito próxima ao que se fazia na décadas de 60 e 70 e que o próprio diretor ajudou a destruir com filmes como "Tubarão".

Os outros dois principais indicados não contam muito pra mim, contudo. "Crash" é um péssimo filme; o diretor e roteirista Paul Haggis (o responsável pelo roteiro inconstante de "Menina de Ouro") parece ter um complexo de Deus e achar que o espectador é burro o suficiente pra engolir as tolices e clichês que desfila na tela. Infelizmente, a crítica de lá e alguns críticos do Globo foram. Ah, e não nos esqueçamos que tem Sandra Bullock... "Capote" falei há pouco tempo: não passa de um filme mediano a competente.

Se individualmente a perspectiva dos indicados é muito boa, ela fica ainda mais interessante quando olhamos o todo. A grande maioria trata de dois temas de forte repercussão: a política e o homossexualismo. No caso do primeiro, destaque para os filmes de Clooney, Spielberg, "Paradise Now", "Capote", "Brokeback Mountain" (mais político diante de um governo conservador como esse impossível!) e os ótimos "Syriana" e o "O Jardineiro Fiel". No segundo caso, além do filme de Lee, estão "Capote" (ele era homossexual) e "Transamerica" (um excelente filme sobre um travesti que, às vésperas de uma operação de mudança de sexo, descobre que tem um filho adolescente - falo mais dele numa outra oportunidade). Isso sem contar filmes com temáticas mais adultas, como o novo de Woody Allen.

Foi como se os membros da Academia tivessem acordado de uma ressaca e visto que premiar filmes de fantasia ou quaisquer dramas não era suficiente. Eles precisavam ter o que dizer. Precisavam explorar o que uma linguagem tão rica e complexa como a cinematográfica tem a oferecer. Não sei ainda se vou assistir. De qualquer forma, a declaração foi feita. A política parece novamente bem-vinda no mainstream do cinema americano. E eu torço que daqui em diante, esteja cada vez mais presente. Ah, tem a cereja no topo do sundae (que leva calda de política também): o Oscar honorário ao grande Robert Altman.

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Carnaval pacato... Tava vendo a MTV outra hora. Se sempre fosse assim (só passasse clipes), eu seria espectador assíduo...

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Bom, resolvi copiar meu caro companheiro Daniel e dar uma de pirata para o bem da cultura, já que as bostas das rádios cariocas não tocam o que de melhor acontece no mundo da música. Abaixo, o link para um arquivo com cinco músicas de algumas das bandas de rock atuais de que mais gosto (viu, Gabi, não pode reclamar mais que não consegue achar :-)). Depois me digam o que acharam:

1 - Arcade Fire - Neighbourhood #1 (Tunnels) - primeira faixa de cd de estréia do grupo canadense. Atenção ao piano de abertura e à letra e à música que parecem nos transportar direto para os nossos sonhos mais profundos e nostálgicos. Fizeram o melhor show que vi até hoje...

2 - Arctic Monkeys - Perhaps Vampires is a Bit Too Strong - faz parte do cd de estréia dos moleques ingleses. Começa como uma surf music, envereda por um rock direto (em que voz acompanha ritmo de guitarra e baixo), para depois ter uma parada e uma quebra de ritmo fenomenais. Eles sabem tocar...

3 - Death Cab for a Cutie - We Looked Like Giants - um cruzamento de Radiohead com um rock mais comercial. Mistura rock orgânico com eletrônica como poucos fazem hoje.

4 - Mercury Rev - Opus 40 - o grupo britânico faz um rock que parece nos transportar pra outra dimensão, repleta de beleza e encantamento com a bela voz do vocalista e os arranjos de órgão.

5 - Belle and Sebastian - Sukie in the Graveyard - uma das faixas do novo cd da banda escocesa. Clima up (num cruzamento de Beach Boys com Frank Zappa), letras irônicas e literariamente perfeitas, além de linhas de baixo excepcionalmente poderosas, que fizeram The Edge e Adam Clayton, do U2, entrarem no site da banda para elogiar (o álbum novo como um todo, mas destacaram essa música).

http://rapidshare.de/files/14223884/Rock_Contemporaneo.zip.html

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Música

Return To Forever



O Return to Forever, fundado por Chick Corea, foi um dos conjuntos mais influentes do fusion. O grupo teve diversas versões ao longo dos anos 70, todas mantendo a espinha dorsal formada por Corea e pelo contrabaixista Stanley Clarke.

Nascido em 1971, com uma proposta musical bastante próxima da música brasileira e do latin jazz, o Return to Forever contava, na primeira formação, com Chick Corea aos teclados, mais Clarke ao contrabaixo, Airto Moreira à percussão, Flora Purim aos vocais, e Joe Farrell aos sopros. (A propósito, “Return to Forever” foi o título do primeiro tema que Corea compôs para o grupo.) A banda estrou no Village Vanguard em New York em novembro daquele ano; em 1972 gravou o primeiro disco, Return to Forever, pelo selo ECM, e em 1973 gravou Light as a Feather.



Com a saída de Farrell, Airto e Flora, em 1973, Corea convocou o guitarrista Bill Connors, o baterista Steve Gadd e o percussionista Mingo Lewis. Gadd logo seria substituído por Lenny White. O resultado dessas mudanças foi um som menos brasileiro-latino e bem mais próximo do rock progressivo, com amplo uso de sintetizadores. O grupo gravou Hymn of the Seventh Galaxy, que foi um sucesso. Em 1974, Connors também saiu, sendo substituído por um curto período por Earl Klugh, e depois, em caráter permanente, por Al Di Meola (então com 19 anos). Essa formação gravaria Where Have I Known You Before, No Mystery e Romantic Warrior - todos lançamentos de grande sucesso nas paradas. (No Mystery ganhou o Grammy de 1975 por melhor performance de grupo de jazz, e Romantic Warrior recebeu um disco de ouro).

Ocorreu então mais uma reformulação no grupo. Joe Farrell voltou aos sopros e Gerry Brown assumiu a bateria. A esposa de Corea, Gayle Moran, que fazia parte da Mahavishnu Orchestra, veio para se encarregar de vocais e teclados. A eles juntou-se um naipe de metais composto por John Thomas e James Tinsley (trompete), Jim Pugh e Harold Garrett (trombone). Com esta formação foi gravado o disco Musicmagic (1977), mais um sucesso nas paradas. Em maio, o grupo (com a inclusão do trombonista Ron Moss) realizou uma turnê e gravou um disco ao vivo em New York, Return to Forever Live, que seria lançado somente em 1979. Depois dessa turnê, o Return to Forever se desfez. Em 1983, Corea, Clarke, Di Meola e White se reuniriam para reeditar o grupo durante uma turnê apenas.

LINKS PARA BAIXAR AS MÚSICAS:

http://rapidshare.de/files/13503434/RETURN_TO_FOREVER_Romantic_Warrior_6._Duel_Of_The_Jester_And_The_Tyrant.mp3.html

http://rapidshare.de/files/13537933/Return_To_Forever_-_Medieval_Overture.mp3.html

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

Cinema/Literatura

A Sangue Frio
Na próxima sexta-feira, chega aos cinemas o último dos indicados ao Oscar de Melhor Filme desse ano: "Capote". Não se trata de uma cinebiografia, uma vez que a opção de enquadrar apenas um momento da vida do jornalista e escritor americano Truman Capote - aquele que corresponde à confecção do livro "A Sangue Frio" - permite um tratamento diferenciado a um gênero tão maltratado pelo cinema.
O filme de Bennett Miller, em sua estréia no cinema, faz, na verdade, uma outra opção, um recorte ainda maior na biografia do escritor: retratar os dilemas morais, principalmente em sua relação (de amor platônico) com um dos assassinos (Perry Smith). Sim, Capote era bem homossexual. Inclusive, sua postura afetada assusta um pouco nos primeiros minutos de filme. Pelo menos, quando li o livro, não o imaginava assim. Como é impossível falar do filme sem falar no livro, vamos ao primeiro.
"A Sangue Frio", editado no Brasil pela Companhia das Letras e facilmente achado em livrarias e sebos, foi o livro que estabeleceu um novo gênero na literatura: o jornalismo literário. O próprio Capote no filme demonstra ter ciência disso e afirma que inventou um novo gênero: o romance de não-ficção. A obra investiga o assassinato brutal da família Clutter em sua própria casa, numa fazenda, sem nenhum motivo aparente. O crime choca a cidade e Capote, através de entrevistas, recria os personagens que compõem essa família (foto abaixo; as duas mulheres da direita são filhas e já estavam casadas, logo não moravam com a família e escaparam às mortes; o menino e a menina eram um pouco mais velhos quando foram assassinados, tinham, respectivamente, 15 e 16 anos). Mas não apenas isso: o seu relato é extremamente perspicaz e detalhista, sem aspirar, em momento algum, à chatice. Ele acompanha a investigação, a forma como a polícia chegou aos assassinos (cuja história, ele conta paralelamente, como se estivesse presente, também, na fuga deles), as dificuldades emocionais de personagens da cidade, do detetive encarregado.
Enfim, Capote escreveu, pura e simplesmente, uma obra-prima! Um dos livros mais importantes do século XX, sem dúvida. Lembro especialmente de um trecho em que ele faz uma ligação entre o gato vira-lata que mexia nas latas de lixo ao lado da cela dos assassinos e a situação deles. É pura genialidade em forma de literatura. O leitor larga o livro com ainda mais dúvidas do que quando começou a ler (principalmente as que dizem respeito a conceitos morais), tamanha é a profundidade com que trata os personagens; nenhum deles é plano, todos têm seus defeitos, virtudes, traumas...
E o filme seria genial, se conseguisse esse mesmo êxito. Se Miller não se preocupasse tanto em mostrar conflitos de Capote e deixasse o ambiente que o circunda falar um pouco mais, talvez fosse um filme melhor. Não se trata da velha questão de qual arte é superior, o cinema ou a literatura; qualquer uma pode ser superior a outra, tudo depende de quem está por trás. A história de Capote realmente provoca sentimentos diversos e o filme parece preocupado em esconder isso por trás de uma frieza monumental. Além de mostrar assassinos unidimensionais, como se humanizar fosse encobrir o pedaço monstruoso e só mostrar uma pessoa "normal", cheia de sentimentos nobres. Negar espaço à contradição é interditar o personagem de qualquer vínculo com a realidade.
Chega um momento em que nem sabemos mais porque Capote sofre tanto, uma vez que o espectador não foi trazido para a situação. Por outro lado, a produção tem lá seus méritos. A cena do enforcamento é uma reedição perfeita da descrição que Capote faz no livro (à exceção do outro assassino sequer ser mostrado), assim como é interessante a amizade do escritor com a também escritora Harper Lee, que desempenhou um papel fundamental nas entrevistas para o seu livro. Autora de um dos maiores best-sellers da história dos EUA, escrito no mesmo período de "A Sangue Frio", o clássico chamado "To Kill a Mockingbird" foi adaptado para o cinema com o título no Brasil de "O Sol é para Todos" e mostra o julgamento de um negro acusado injustamente de estuprar e matar uma menina branca). De qualquer forma, o resultado final é bem irregular e nem a performance de Phillip Seymour Hoffmann como Capote, por vezes genial, por vezes flertando com o caricato, consegue salvar.
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Os Rolling Stones só causam esse furor todo, ao meu ver, pela insistência (como mais se classifica mais de 40 anos de grupo...). O som deles soa hoje às vezes um pouco datado e as letras não são lá aquela maravilha. Temos que tirar o chapéu, contudo, à importância deles para a música e à impressionante eletricidade de Jagger, que deve dormir em um tanque de formol...
Já o U2 tem, ao meu ver, músicas boas, um ótimo e original guitarrista (The Edge), mas se ouvimos as músicas em sequência enche um pouco o saco... Chega uma hora que começam a parecer as mesmas... E o Bono nem sempre empolga com o seu messianismo e declarações pra platéia de amor ao Brasil.
Na verdade, o que eu quero dizer, nos dois casos, é que falta, antes de tudo, mais originalidade e experimentação~no palco. Não basta ter excelentes produções de luzes e palcos andantes... Ah, sim, sabe a música que abre o show do U2, quando eles pisaram no palco? Pois é, justamente "Wake Up", do "Arcade Fire", uma banda muito original em todos os sentidos que fez o show mais arrepiante que vi na vida.
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A temporada de shows tá só esquentando. Outros nomes que estão confirmados são Echo and the Bunnymen, o aguardadíssimo New Order, o mais que aguardadíssimo The Who (leia-se Daltrey+Townshend, já que o mais genial baixista da história faleceu, assim como o bateirista)... Isso sem falar nas atrações do Tim Festival e do Claro que é Rock.

sábado, fevereiro 18, 2006

Cinema

Tratado sobre a Culpa na Vida Contemporânea



Aos 71 anos, Woody Allen mantém um ritmo invejável de 1 filme por ano; são realmente muito poucos os que conseguem tal façanha com essa idade. Ainda assim, uma boa parcela do público permanecia inquieta, acreditando que o diretor, roteirista, comediante, clarinetista e ator perdera o seu toque, que seus filmes não eram mais como antes.

Com relação a este último ponto, eles estavam certos. "Ponto Final", o novo filme de Allen, é radicalmente diferente de tudo que ele fez até hoje, portando um certo grau de parentesco com o excelente "Crimes e Pecados". Ainda assim, é diferente. O humor tão comum a ele quase não aparece nesse. "Ponto Final" é composto por uma atmosfera sombria, em parte criada pelo roteiro, em parte pela direção de fotografia. Nos últimos anos, Allen tem trabalhado com diversos diretores de fotografia europeus... Não sei de onde ele os tira... Fato é que esse é um aspecto técnico irrepreensível dos seus filmes.

A atmosfera única fica explícita logo nos créditos que abrem a produção: pela primeira vez, o jazz cede o lugar à ópera, com peças magníficas, como "Je Crois Entendre Encore", da famosa "Carmem", de Bizet. Outros elementos também são novos à filmografia do diretor, como o uso da câmera lenta. Na superfície, "Ponto Final" pode ser lido como um thriller sobre um tenista que, de repente, encontra na amizade com um casal de irmãos ricos a oportunidade de figurar numa classe social mais alta. Nessa camada, Allen construiu um ótimo filme, recheado com excelentes atores (Scarlett Johanson não poderia estar mais linda e perfeita no papel), mas que sofre com alguns defeitos.

Que são instantaneamente esquecidos, quando olhamos o discurso que Allen constrói por trás. É quase como se ele tivesse escrito o roteiro escutando uma faixa obscura do cd "Ok, Computer", do Radiohead (algo que ele obviamente não fez ou faria), chamada "Fitter, Happier", em que nenhum instrumento é tocado, mas escutamos uma voz robótica enumerando uma espécie de guia para uma vida saudável - algo mais ou menos como vemos na Revista O Globo todo domingo, por exemplo.

Woody Allen exibe uma visão pessimista (e, ao meu ver, razoavelmente realista) das relações humanas como ocorrem hoje, sem ser moralista. Ou talvez sim, mas de forma indireta. Está tudo lá: a vida confortável X a paixão, a ética X o "se dar bem" etc. Sendo que o segundo lado dessas oposições, para Allen, sempre perde. Os homens, no filme, estabelecem sempre uma relação com suas mulheres a partir de uma "coisificação" (seja o desejo de dinheiro e status, seja a carência afetiva). Nem elas, na verdade, fogem a isso, vide a maneira robótica como a esposa do tenista deseja engravidar de qualquer forma (a última linha dela no filme é, aliás, genialmente cômica), a forma como a matriarca da família rica trata os casos amorosos dos filhos, o jeito como o patriarca mantém o controle sobre os que estão ao seu redor.

Se "Ponto Final" traça um paralelo com o "Crime e Castigo" de Dostoievsky, aqui a culpa não é apenas o principal castigo do personagem central, mas também de todos aqueles - Woody Allen incluso - que enxergam (impotentes?) certos aspectos da vida contemporânea.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

Música

The Queen is Dead
É irresistível usar um dos bordões mais batidos, mas, lá vem ele, "agora que Morissey voltou à moda", os 20 anos de idade do álbum dos Smiths acima nominado (sim, é o Alain Delon na capa) se tornam ainda mais expressivos. Os Smiths foram formados em 1982, após o (genial) guitarrista Johnny Marr colecionar sucessivas e frustradas tentativas com outras bandas. Ele encontrou, então, em Stephen Patrick Morissey, o letrista que procurava. Ou não?
É notável a recorrente diferença - que torna o som da banda tão peculiar - entre as guitarras de Marr e as letras de Morissey; o primeiro ousava experimentar acordes por vezes rápidos e pulsantes, por vezes dedilhados e melancólicos; o segundo era extremamente literário em suas composições (só perde, ao meu ver, para o Stuart Murdoch, do Belle and Sebastian, mas disso já falei aqui). Quem mais começa uma música com as linhas "the boy with the thorn in his side/behind the hatred there lies/ a murderous desire for love".
Morissey e os Smiths, olhando hoje, são uma das cinco bandas mais importantes dos anos 80, principalmente pela forma como se apropriaram de elementos do pós-punk e da disco (de uma forma diferente, contudo, de bandas como Joy Division/New Order, tendo sido influenciados por ela) e criaram uma identidade única, que influencia, ainda hoje, para o bem ou para o mal, bandas e bandas mundo afora (só pra citar algumas, Bloc Party, o próprio Belle and Sebastian, Radiohead, The Killers, além de praticamente TODO movimento de rock brasileiro). Johnny Marr foge ao arquétipo de guitar hero ao investir na criação de riffs, ao invés de solos homéricos; seu comprometimento formal era com a criação de músicas pop de qualidade, um trabalho cujos sucessos de público, crítica e influência musical apenas endossam.
Além disso tudo, a banda ainda juntou sob suas asas uma geração inteira de adolescentes e jovens órfãos de uma música que os representasse. Nesse sentido, Morissey era absolutamente genial na captação de uma certa atmosfera de sentimentos e comportamentos. Que declaração de amor na música pop soa mais exagerada, adolescente e comoventemente autêntica e carnal do que "and if a double-decker bus/ crashes into us/ to die by your side/ is such a heavenly way to die/ and if a ten-ton truck/ kills the both of us/ to die by your side/ well the pleasure-the privilege is mine" (There is a Light that Never Goes Out)?
Ou que outras linhas conseguem captar os sentimentos de toda uma geração de jovens como "sad veiled bride, please be happy/ handsome groom, giver her room/ loud, loutish lover, treat her kindly/(...)if you´re so funny, then why are you on your own tonight?/ and if you´re so clever, than why are on your own tonight" e, ao final da música (I Know It´s Over), o manifesto "It´s so easy to love/It´s so easy to hate/It takes strengh to be gentle and kind/ Over and over"? Com linhas como essas, Morissey ecoou toda uma geração que não encontrava no rock brucutu (impossível não fazer uma associação mental direta a nomes como Mettallica) o seu lugar.
E não param por aí. Suas letras tocavam em assuntos tabus ainda hoje, como abuso infantil ("Reel Around the Fountain", "Suffer Little Children") e o homossexualismo ("Hand in Glove"), além de uma variada gama de outros, como a fofoca (na divertida e dançante "Bigmouth Strikes Again"). Isso sem contar os subversivos títulos de música, como "Vicar in a Tutu" (algo como Vigário em um tutu - o vestido de balé), "Some Girls Are Bigger Than Others" e o próprio nome do álbum acima, "The Queen is Dead", talvez o mais importante da história da banda.
Além de tudo isso, todo um estilo de vestir e de se comportar, em tudo que isso pode trazer de positivo e negativo, foi criado a partir da banda, num fenômeno só comparado aos Beattles. A banda acabou em 1989, quando Johnny Marr disse que abandonaria seus companheiros. Morissey saiu logo em seguida. Dizem as más línguas que foi por causa do amor platônico de Morissey por Marr. Sim, quando se ficou sabendo que o líder dos Smiths, que derretia garotas ao dançar agarrado a flores nos shows, era gay, foi um choque. Fizeram até filme sobre isso.
Motivos à parte, o que interessa é que a banda continua viva. Seja nas rádios, nos sons dos fãs, nos discos do próprio Morissey (que ano passado gravou um cd com Nancy Sinatra e neste ano finaliza um com um coro de garotos italianos). E, principalmente, nas discotecas. Porque, acima de tudo, poucas coisas são tão boas de dançar quanto certas músicas dos Smiths.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Arvo Pärt



Arvo Pärt nasceu em Paide, Estônia, em 11 de setembro de 1935, e cresceu em Tallinn. De 1958 a 1967 trabalhou como diretor de gravação e compositor para cinema e televisão para a divisão de música da Rádio Estoniana. Durante este tempo, estudou composição com Heino Eller no conservatório de Tallinn, graduando-se em 1963.

Seus primeiros trabalhos, escritos enquanto ainda era estudante (um quarteto de cordas e algumas peças neoclássicas para piano) demonstravam a influência dos compositores neoclássicos russos como Shostakovich e Prokofiev.

O primeiro trabalho de Arvo Pärt para orquestra chamado Necrolog (1960) inaugurou uma nova fase experimental e também foi a primeira obra Estoniana a usar o método dodecafônico, criado por Schoenberg. Esta composição serviu de base para experimentos com serialismo e técnicas aleatórias.

Duas de suas primeiras composições para coral, a catata para crianças chamada Meie Aed (Nosso Jardim), e o oratório Maailma Samm (O Passo do Mundo), ganhou o Prêmio Jovens Compositores de Moscou. Um terceiro trabalho coral deste período é uma composição de uma página chamada Solfeggio, que consiste em uma série de escalas maiores, que mais parece um exercício, mas a maneira com que as escalas são vocalizadas torna-a uma peça agradável e acessível.

Sua Sinfonia Nº 1 (Polifônica) foi dedicada ao professor Eller e é notável por sua clara estrutura de doze notas, serialismo integral e excursões em tonalismo. Outra de suas composições, Perpetuum, foi matematicamente concebida, em que uma nova nota e um novo rítimo (derivado de duas séries que contém 12 figuras de igual duração) vai sendo acrescentado ao grupo de instrumentos.

MP3 - Arvo Part
Link para Arvo Part - Kronos Quartet - String Quartet No.5

http://z08.zupload.com/download.php?file=getfile&filepath=21164

http://rapidshare.de/files/12295119/Arvo_Paert_-_Fratres.mp3.html

http://rapidshare.de/files/12295418/Arvo_Part_-_Spiegel_im_spiegel_.mp3.html

http://rapidshare.de/files/12296011/Arvo_Part_-_Stabat_Mater__2004__-_08_-_Zwei_Sonatinen_for_piano_op1-2_Allegro_energico.mp3.html

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

Antoni Gaudi - um gênio da arquitetura



Quem conhece a pacata cidade catalã de Reus não imagina ser ela o berço de um dos arquitetos mais criativos de todos os tempo. Nesta pequena cidade próxima a Barcelona - cujo nome vem da época em que ainda era província romana, lugar para onde eram enviados os réus - nasceu Gaudi na rua Sant Vicenç n°4, em 1852.

Influenciado pelo racionalismo estrutural de Viollet-le-Duce e pela exploração empática das formas sugerida por Ruskin, quanto ao acerto romântico da verticalidade das igrejas medievais, Gaudí criou um estilo totalmente pessoal e inimitável, com reverberações do estilo Neogótico.





Entre 1889 e 1908, Gaudi desenvolveu o projeto da Igreja Colônia Güell com um método altamente inovador: o modelo suspenso. Com este modelo em posição invertida, uma estrutura muito leve de pedra pôde ser desenvolvida.





O modelo suspenso se baseia na teoria da reversão do catenário. O Arco Catenário foi um problema proposto por Jacob Bernoulli (1654 - 1705) em 1691, em tom de desafio, ao seu irmão Johann (1667 - 1748), que o resolveu juntamente com Huygens e Leibeniz. O problema consistia em buscar uma forma equilibrada de um fio suspenso com a menor energia potencial ou similarmente aquela cujo centro de gravidade fosse o mais baixo possível. Ou seja, uma corrente apoiada por dos pontos deveria ficar suspensa espontaneamente na forma de um arco. Todavia, somente forças de tensão poderiam existir na corrente.

Com a idéia de Gaudí de inverter a posição do catenário, foi possível criar uma miniatura perfeita de arcos de pedra, e nele somente forças inversas de tensão (neste caso, compressão) iriam atuar, o que dava uma idéia muito acurada da distrubuição das forças na estrutura em tamanho real.

Por sua grande criatividade e seu poder de "inverter", Gaudí não poderia deixar de figurar na "Câmara Inversa".

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

Internacional

Apocalypse Please


Se o título da música do grupo inglês Muse pode parecer um tanto exagerada para caracterizar o que vem acontecendo – e, nesse sentido, pode-se logo imaginar aquela tradicional imagem do velho na esquina, bengala numa mão, cartaz na outra (“É o fim do mundo!”) – tal canção poderia facilmente ser utilizada como trilha sonora para as imagens que preenchem os jornais nesses últimos dias.

Tudo começou com as charges publicadas na Dinamarca que ridicularizavam o profeta islâmico Maomé. Outras se seguiram na Noruega e, posteriormente, em outros países da Europa. Tratam-se de charges em jornais livres de intervenção governamental (o chanceler dinamarquês, inclusive, afirmou não poder se desculpar por elas, porque não tem poder de proferir ordens à imprensa do país). Trata-se do que chamamos de “liberdade de expressão”.

Mas que liberdade é essa? Ao meu ver, trata-se de um conceito muito abstrato, em qualquer sociedade. Quem é mais livre: a mulher que é obrigada a se esconder atrás de um véu ou a que é “obrigada” a passar por tratamentos de beleza e dietas para aparecer na praia no verão? Qual é a maior opressão: aquela ditada por clérigos radicais que acreditam ver nas palavras de Maomé um caminho pra consolidar sua dominação ou o discurso de liberdade que justifica guerras e mascara a opressão de uma forma ainda mais perversa?


De qualquer forma, é impossível fechar os olhos para o que acontece agora. Trata-se de uma crise muito mais profunda do que qualquer guerra, que quase sempre se resume à invasão e conquista; ninguém é capaz de dominar um ponto-de-vista diferente. É uma situação transnacional – vide protestos com diversos mortos no Afeganistão, a incitação à violência no Iraque, o assassinato de um padre por um muçulmano na Turquia, os altos brados governamentais no Irã e na Síria e a “solidariedade” Europa-EUA, inclusive em acusar os primeiro-ministros de Síria e Irã de aproveitar as charges para atiçar suas populações contra o Ocidente.

A acusação americana (proferida pela poodle de estimação do senhor Bush, Condoleeza Rice) tem precedência: o aiatolá Khamenei, o mesmo que vinha rebatendo acusações americanas, semana passada, ao seu programa nuclear, declarou serem as charges uma resposta à eleição do Hamas na Palestina. Não tivessem sido publicadas há quatro meses atrás, ele efetivamente teria um ponto aí. O fato é que, pela primeira vez, talvez depois de séculos (lembrem-se das Cruzadas), temos uma situação de oposição geral Ocidente-Nações islâmicas. Que faz as Guerras do Golfo, Iraque e Afeganistão parecerem um ensaio.

De quem é a culpa? Bem, essa é a parte difícil; vamos sempre cair na dualidade registrada alguns parágrafos acima. Se a bandeira da falsa liberdade e as suas invasões são causas para o efeito revolta, o radicalismo religioso também torna tudo muito complicado. Particularmente, sou adepto do humor anárquico, acho mesmo que situações de quase-constrangimento do espectador, como as do desenho South Park, por exemplo, são engraçadas e devem gozar de liberdade para serem manifestadas. Ao mesmo tempo, quando uma criança provoca a outra e esta, ainda que chore pedidos de que a primeira pare, não é atendida, não cabe aos pais intervir para avisar que já foi suficiente?


Que fique claro que não assumo o lado islâmico da briga. É realmente muito difícil confiar a homens que vivem por valores ditados por uma religião, ou seja, propensos ao fanatismo, um programa nuclear. Sou adepto e defensor do estado laico, porque, acima de tudo, é muito difícil apelar à lógica quando o conjunto de valores usados obedecem cegamente à interpretação de um livro. Se a interpretação mais comum do Alcorão fosse a que o personagem de Omar Sharif profere no filme “Uma Amizade sem Fronteiras”, o diálogo seria muito mais fácil.

Em outro filme, o excepcional documentário “Promessas de um Mundo Novo”, os documentaristas levam dois meninos judeus ao Muro das Lamentações. Um deles se aproxima. O outro fica pra trás: “quando vejo todo esse fanatismo religioso, tenho medo. Essas pessoas me dão medo”. Talvez seja isso que devamos temer: a não-razão, dos dois lados, que pode nos conduzir a uma reedição das Cruzadas. E, dessa vez, o impacto será muito mais profundo.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Koji Kondo



Koji Kondo, nascido em 13 de agosto de 1961 em Nagóia, é um compositor e músico japonês mais conhecido por suas trilhas de vários vídeo games produzidos pelo Nintendo.

Kondo começou a estudar música muito cedo escrevendo peças simples por diversão. Aos dezessete anos, Konji decidiu seguir a carreira de músico. Assim, estudou música clássica e aprendeu a tocar vários instrumentos.

Nos anos 80, Kondo escutou que uma companhia chamada Nintendo estava procurando músicos para seu novo vídeo game, o Famicom (conhecido como Nintendo no resto do mundo). Kondo nunca tinha pensado em escrever trilhas para vídeo games, mas decidiu ver no que daria. Ele foi contratado em 1983.

Inicialmente, Kondo ficou restrito a somente quarto “instrumentos” (dois canais monofônicos, um canal triangular monofônico de wave que poderia ser usado como baixo e um canal sonoro usado como percussão), devido ao primitivo chip de som do vídeo game à época.

Posteriormente, com o desenvolvimento dos jogos, Kondo teve mais recursos para explorar as trilhas dos jogos.

As maiores influências musicais de Kondo são o jazz, a música clássica e rítimos latinos, que são freqüentes em suas composições.

Os críticos geralmente citam como o maior talento de Kondo sua habilidade de criar melodias que permanecem agradáveis mesmo quando repetidas por longos períodos de tempo e tocadas por equipamentos de som de qualidade razoável.

Aí vão dois links. O primeiro é o da versão original da trilha de Mario Bros. O segundo link é de um arranjo para big band, do cd “Super Mario Live”.

http://rapidshare.de/files/12374401/Mario_Bros_theme__original_.mp3.html

http://rapidshare.de/files/12378222/Mario_Bros.mp3.html

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

John Adams


John Adams é um dos maiores compositors vivos. Com duas graduações em Harvard, Adams lecionou no San Franicisco Conservatory of Music, passando posteriormente ao cargo de compositor in Residence da San Franicisco Symphony. Em 1985, Adams iniciou uma colaboração com a poetisa Alice Goodman e o diretor Peter Sellars, que resultou em duas óperas: Nixon in China e The Death of Klinghoffer. Vencedor do prêmio Pulitzer 2003, John Adams é atualmente o Composer in Residence do Carnegie Hall, cargo que era ocupado por Pierre Boulez. Adams também regeu a Ensemble Modern, com obras como Uncle Meat e G-spot Tornado de Frank Zappa, em 1996.

Shaker Loops, escrita em 1978 no centro do minimalismo americano, contribuiu para que John Adams fosse considerado um dos maiores compositor vivos e continua a ser um de seus trabalhos mais executados. Sua técnica de repetição de fragmentos melódicos foi emprestada do trabalho pioneiro de Steve Reich com experimentações em fitas.

Aqui temos um bom exemplo do que foi chamado de “Looping Music”. Este estilo criativo valoriza a repetição de um tema, que pode ficar limitado a uma simples melodia ou permitir o acréscimo de texturas sonoras complexas que se sustentam por si mesmas ou usadas como um fundo atmosférico ou rítmico para solo ou outras expressões musicais.

Link para "John Adams - Shaker Loops - 02 -Hymning slews":

http://z13.zupload.com/download.php?file=getfile&filepath=5113

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

O Caminho Alternativo

Sexta-feira chega finalmente aos cinemas o grande favorito de público, crítica e prêmios da temporada. Mas peraí! Há algo de errado nessa frase... Desde quando um filme com um romance homossexual como o centro da história tem sucesso com o público? Pois é, acreditem ou não, às vezes tem. É só lembrar casos como o do australiano "Priscila - A Rainha do Deserto" ou um pouco conhecido por aqui, o excelente "Minha Vida em Cor de Rosa". Até chegou a passar pelos cinemas e tem em vídeo, mas não alcançou o mesmo sucesso que teve na Bélgica, onde foi produzido. Contava a história de um menino de 10 anos cujo sonho, compreendido pela avó, era se tornar menina. Uma série de situações cômicas, algumas de humor negro, se sucediam então. O sucesso foi tanto que o ator-mirim que interpretava o garoto do filme se tornou uma espécie de herói local.

Ainda assim, a mudança trazida por "Os Segredos de Brokeback Mountain" é significativa. Muito. Talvez seja esta a primeira vez em que um filme dramático, com temática homossexual, realmente tenha conseguido sucesso diante do público. E, acima de tudo, é um western, gênero que muitos, de tempos em tempos, adoram declarar extinto. É interessante notar que uma das melhores brincadeiras (dissimuladas) com a questão do homossexualismo na história do cinema é justamente em um Western. Trata-se de "Rio Vermelho", de Howard Hawks. A cena em questão mostra os ícones John Wayne e Montgomery Clift comparando o tamanho de suas armas... As que atiram pra matar, claro.


Anos de referências veladas, contudo, não significam necessariamente a preparação de terreno para mudanças. O tratamento de comédia foi, por anos, uma forma de encobrir esse não saber expôr o tema de maneira a não agredir o grande (e, vamos colocar os pingos nos "i"s, preconceituoso) público. O segredo de Brokeback Mountain, com o perdão do trocadilho, é o mesmo que moveu as mais famosas histórias de amor na literatura e no cinema: a impossibilidade de que aconteçam. Trata-se de uma situação de apelo universal, que torna qualquer romance mais encantador. A platéia no cinema em que assisti, por exemplo, era composta em grande maioria por casais heterossexuais e famílias. É verdade que ajuda o fato de que as cenas de beijo são poucas. De sexo, apenas duas.

O filme de Ang Lee é daqueles que conquista aos poucos. Na história, os cowboys Ennis Del Mar (Heath Ledger) e Jack Twist (Jake Gyllenhaal) passam um mês na montanha Brokeback, trabalhando como pastores de ovelhas. Acabam se apaixonando. Aí reside meu único porém com relação ao filme; o início da paixão é muito súbito, poderia ter sido melhor explorado. Mas daí em diante, o filme só melhora, contando, com uma mão bem ajustada, nem um pouco pesada, a tragédia inevitável de encontro e separação dos dois. O personagem de Gyllenhaal é o único que realmente demonstra algum traço do homossexualismo como foi tornado clichê, ao procurar nos braços de outros homens um conforto (que sabe que nunca vai encontrar) pela ausência do amante. Ainda que os dois se encontrem esporadicamente.

Trata-se de um filme excepcional. Heath Ledger entrega a melhor atuação da sua carreira, num misto de James Dean com Marlon Brando, de deixar qualquer um de queixo no chão. Ang Lee também fez o seu melhor filme até agora. Uma história simples, privilegiada pelo esmero com os detalhes e com a certeza da aposta de que os personagens são as estrelas do filme e, portanto, devem ser muito bem desenvolvidos. Chama muito atenção, também, a espetacular atuação de Michelle Williams na pela da esposa de Ennis (sim, os dois se casam), que sabe que é traída e tenta, por um tempo, fazer com que tudo dê certo, sustentar um triângulo que sabe jamais poder fazer parte.

Ainda que um cineasta de origem taiwanesa, Ang Lee já provou ter uma paixão e um respeito pelo cinema americano ímpares. Demonstra um conhecimento absoluto do gênero Western na forma como escolhe cada ângulo e cada tomada do seu filme. Ajuda o fato de o roteirista (Larry McMurtry) ser o mesmo de "A Última Sessão de Cinema", do diretor Peter Bogdanovich (muito fácil de achar em DVD), uma das maiores obras-primas da história do cinema. E também um western "diferente", sem cavaleiros armados e índios; é um brilhante retrato da decadência de um certo tipo de "american way of life". Assim como o filme de Lee. O final ambíguo de Brokeback Mountain é genial, daqueles que ficam com a gente por um bom tempo.

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Grande Temporada

Sim, é verdade. Há muito tempo não via uma fornada de filmes americanos mainstream tão significativa e tão boa. E principalmente, tão madura e adulta. Além de "Boa Noite, e Boa Sorte", de que já falei aqui, há o "Munique", de Steven Spielberg. Trata-se de, talvez, o melhor filme que Spielberg fez até hoje. Ainda que o ponto-de-vista seja claramente do lado dos israelenses, ele se preocupa em levar a discussão sempre adiante. É engraçado que nos EUA, o país com o maior número de judeus fascistas no mundo, o filme foi acusado de "humanizar" monstros e de tomar o lado palestino. Ainda bem que Spielberg ligou o "foda-se". Platéias têm muito a comemorar.

Só contam contra a trilha sonora excessivamente melodramática em alguns pontos, como Bruno notou, e o fato de as dúvidas sobre a missão israelense de extermínio só surgirem depois de muito tempo de filme. De resto, é um filme muito bem conduzido, com um roteiro primoroso e cenas muito bem elaboradas (e fotografadas), muitas de encher Hitchcock de orgulho. A cena final foi uma das melhores sacadas dos últimos tempos do cinema.

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Pois é, vou ter que retornar de novo ao assunto Arctic Monkeys. É porque os jornais estão começando a divulgar (O Globo, claro, mil anos-luz atrasado, como é de praxe na editoria de cultura) um outro lado do sucesso dessa banda. A forma como foi construído. Foram justamente a pirataria e o boca-a-boca que fizeram deles a banda com o álbum de estréia mais bem sucedido da história. Parece que as gravadoras vão ter muito a estudar com isso... É o que eu sempre digo (e escuto muitos dizerem): compro mesmo o cd se for fora do sério. Senão, só no mp3. Será que podemos estar nos aproximando de um futuro na música em que a qualidade é o que mais importa? Quem sabe... E que esse muleques continuem agitando as bases do rock e da indústria fonográfica!